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Quintal entre nossa casa e da vovó |
Meu avô materno, um amigo da familia, mamãe e minha avó paterna, as crianças Ditinho com a barriga no tanque, Silvio em cima e eu.
Papai construiu nossa casinha de madeira nos fundos do quintal de minha avó, ouvia os comentários que a mudança estava para ser feita, contrataram o caminhão e começaram a arrumação das coisas, eu excitada esperando o momento de fazer essa mudança e já me via na boleia, quando de repente fui levada para a casa de minha avó e deixada na varanda no alto, com um banco desses rústicos de sentar deitado na porta para que eu não saísse, era tão pequena que o banco me segurava, tal foi minha surpresa quando vi o caminhão de mudança chegar, eu não estava nela, fui deixada pra traz, aliás fui levada antes, essa deve ter sido a minha primeira desilusão, fiquei muito decepcionada, não entendia porque eu não vim no caminhão, porque me excluíram assim, eu queria tanto andar naquele caminhão.
Foram subindo as coisas e eu a tudo assistindo, somente assistindo, parece que tinham traçado meu destino de assistir as coisas, chegar bem perto e não fazer parte delas, mas a vida seguia e tive também minha grande alegria de ganhar a primeira boneca que abria e fechava os olhos, disseram que eu pedia muito e arranjaram com os cunhados de meu tio Genésio que trabalhavam na Fabrica de Brinquedos Estrela para me trazerem a boneca, meu maninho mais novo ainda não havia nascido, pois eu ainda dormia no berço, quando ele nasceu passei a dormir em uma cama de solteiro que arranjaram, dormia eu o primeiro mano juntos, o bebe foi para o meu berço, lembro que me acordaram no berço e alegres me entregaram aquela linda boneca, quase maior que eu, que alegria, amei aquela boneca, cuidei dela como de um filho, nunca a estraguei e não deixei ninguém estragar, a vida seguia, brincava no quintal entre nossa casinha e a casa de minha avó, eu e maninho olhávamos o céu e víamos os balões e aviões e cantávamos, cai, cai, balão, cai aqui na minha mão, eu era feliz nessa época.
Mamãe um dia saiu e me deixou amarrada na cadeira, ela foi ao açougue, era longe para me levar, deixou o maninho no berço, dormindo e eu amarrada na cadeira, já era inquieta, já sabia o que queria e naquela cadeira amarrada eu não queria ficar, pulei tanto que derrubei a cadeira, quando ela voltava, ainda longe ouviu os meus berros, ao chegar eu estava roxa de tanto berrar e com a cadeira caída no chão, eu continuava amarada, fui bem amarrada mesmo.
Mamãe esperava meu segundo maninho e parece que as coisas já não andavam bem naquela casa, ela sofria, não estava bem, chegou o dia de ir para a maternidade, pra nós disseram que ia encontrar a cegonha para trazer nosso irmão, ficou cuidando de nós a Lídia, vulgo Doca, que depois passou a ser nossa tia, pois se casou com meu tio Otávio, ela era muito legal, brincava conosco e nos chamava de filhos, eu a adorava, brincávamos na grama na frente da casa de minha avó, fazia cócegas em nós com a grama.
Mamãe chegou com um lindo bebe, eu queria que fosse uma menininha, pois o meu irmão era muito danado, levado da breca, assim minha mãe falava dele, me atentava muito eu queria uma irmãzinha, pois achava que menina era melhor, eu era boazinha e não infernizava a vida de ninguém, mas veio um menino, lindo, fofo, veio com a testa machucada e disseram que a cegonha o havia derrubado, tempos mais tarde soube que foi um parto traumático, ele foi tirado a ferro, meu pai chegou ao Hospital Matarazzo, onde minha mãe estava e pelos corredores ouviu os berros dela, pegou o médico pelos colarinhos dizendo que algo de errado acontecia, pois a viu ter dois partos antes e não viu escândalo, ai fizeram o parto, o bebê era enorme, diziam que cinco quilos, ela dizia que a enfermeira e meu pai subiram em cima dela forçando a saída e mesmo assim foi tirado a ferro, pobre mamãe.
Já nos primeiros dias do bebe em casa, num domingo íamos sair a passeio, na casa dos padrinhos do outro mano, nossos passeios naquela época eram na casa da comadre Leticia e compadre Júlio, padrinhos do Ditinho, o bebe estava todo arrumado, com uma linda roupa de lã azul, em cima da cama, estavam saindo e achei que o iam esquecer, subi na cama e o puxei pelos pés, sorte que naquela época bebes eram enfaixados e ficavam durinhos, senão teria quebrado o moleque, puxei da cama ele veio durinho e pelos pés com a cabeça pra frente eu o ia levando, quando viram e me deram a maior bronca, minha mãe ao ver de longe berrou, Lazinho, a menina derruba o nenê, num pulo meu pai se apossou do bebe, levei bronca, mas eu só não queria que o deixassem.
Quando o bebe começou a engatinhar me deram a tarefa de cuidar dele, eu tinha então quatro anos, e não podia deixar que ele fosse para a porta, pois tinha uma escadinha e também que não se aproximasse do fogão, um fogãozinho de carvão de duas bocas, eu o agarrava e não deixava se aproximar dos perigos, era pesado, ficava bem sujo eu ficava até com o rosto afogueado de tanto esforço para segurá-lo, mas agarrava mesmo com muita força, já eu quando comecei andar vivia com as canelas roxas, pois vivia caindo naquela escadinha, não tinha ninguém para tomar conta de mim.
Teve o batizado do maninho, foi minha primeira festa, adorei, foi nesse dia que conheci sanduiche de mortadela e guaraná, foi muito legal, o padrinho dele um turco Sr. Abrão era chefe de papai no armazém Makfardi, onde ele trabalhava e fez a festa do maninho, deu-lhe também uma bela roupa de batizado.
Tivemos uma bela infância nesse local, brincávamos no quintal do lado com as crianças vizinhas, tinha uma árvore bem grande de ameixa e fazíamos guerra de ameixas, o filho mais velho dos vizinhos, já um menino bem grande, as vezes tomava conta de nós e íamos para o galpão que era uma carvoaria, ele mostrava suas partes intimas e queria que pegássemos, ao que desconfiados fugíamos dele, é bom as mães prestarem bem atenção com quem deixam os filhos, pois as coisas acontecem debaixo do nariz delas, sem que percebam.
Muitas coisas aconteceram nesse período, teve o casamento do tio Otávio, o casamento da prima Lalaza, foi uma festa linda em um salão com um enorme bolo de andares e noivinhos em cima, damas de honra, todas de vestido longo rodado e dançavam muito, outros casamentos com festa de outras primas de papai, nós sempre íamos bem arrumados, lembro-me de um belo vestido vermelho de organza com bolinhas brancas, mamãe fez, rodado e de mangas fofas, lindo, sapatinho branco eu adorava.
Vovó me levava a passear, ela tinha um namorado, íamos ao parquinho andar de cavalinho, comer pizza e na missa, na Catedral de São Caetano, eu era a preferida de minha avó, que foi também o primeiro grande amor de minha vida, a pessoa que ainda hoje povoa meus sonhos, era de um requinte inacreditável, não imagino onde ela aprendeu etiqueta, pois colocava a mesa de refeição com tamanha perfeição e me ensinou, toalhas de linho, aparelho de porcelana, belos talheres, copos de cristal, tudo colocado nos seus devidos lugares, era sempre o prato fundo e o raso, pois serviam entradas, os talheres colocados à direita com o guardanapo e os cristais a esquerda, grades banquetes, grandes feijoadas que somente ela fazia, até sinto o delicioso aroma de tanta saudade.
Minhas tias trabalhavam, uma era baixinha, gordinha tipo intelectual, secretária bilíngue, trabalhou em grandes empresas, uma delas a Kibon de sorvetes; a outra tipo modelo, telefonista de um oleoduto, Techint e secretária do então presidente do Jóquei Clube de Sampa João Ademar de Almeida Prado.
Vivemos ali uma bela infância, apesar de trancados no quintal, não era possível sair a rua que naquela época era saída para a baixada Santista, com todo o tráfego pesado de caminhões e ônibus, muitas artes fazíamos e vivíamos o sonho de nossa casa, onde pudéssemos ser livres.